sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dissonacia é pecado? Vamos esclarecer né?

Salve meu querido povo mui Feliz.
Bom, hoje não vou escrever e sim  apenas repassar o que eu aprendi no blog do Pastor
Isaac Meira. http://www.adoracaoadventista.com

Ele simplismente escreveu um artigo muito bom sobre música e vale a penas estudar sua bela visão.
Segue abaixo então:


Discord - Ellen White e as dissonâncias
“Ellen White condena a dissonância!”
Já ouvi isso algumas vezes. E há uma porção de livros e artigos que repetem a mesma coisa.
Um teste para saber se a música é boa ou não (supostamente baseado em Ellen White) traz o seguinte critério: “não há confusão de vozes nem dissonância”[1], dando a entender que a presença da dissonância indica que a música é inadequada.
Baseados em dois textos de Ellen White, muitos supõem que ela esteja falando tecnicamente da dissonância, em oposição à consonância. Para tais pessoas, Ellen White recebeu a revelação de que Deus não se agrada de acordes como: C7+, C5+, C5-, C9, Cm7/5-, etc [2].
Essa posição quase chegou a ser sutilmente oficializada. A Filosofia Adventista de Música de 1972, ao falar da harmonia, dizia que “deve-se evitar música saturada com acordes de 7ª, 9ª, 11ª, e 13ª, bem como outras sonoridades extravagantes. Estes acordes, quando usados com restrição, produzem beleza, mas usados em excesso desviam a atenção do conteúdo espiritual do texto”. A Igreja Adventista votou um novo documento, sem essa observação sobre harmonia, em 2004.
Ninguém pode negar que existem harmonias tão complexas, acordes tão dissonantes que comprometem a transmissão da mensagem cantada [3]. Mas será que Ellen White condena a dissonância?
Este artigo vai sugerir a seguinte resposta: não, Ellen White não está falando especificamente disso.
Aí estão algumas justificativas:
1) O sentido original de “discord”
O texto mais usado para forçar Ellen White a condenar a dissonância é:
“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância.” [4]
Em inglês, a palavra usada nesse texto é “discord”:
“I saw that all should sing with the spirit and with the understanding also. God is not pleased with jargon and discord.”
Ellen White usou “discord” e não “dissonance”, que hoje seria uma expressão mais exata para se referir a “acordes dissonantes” ou “intervalos dissonantes”.
A tradução do mesmo texto para o castelhano traz: “A Dios no le complace la jerga y la discordancia.” A expressão mais exata para acordes dissonantes em espanhol seria “disonancia”.
E é interessante observar que o mesmo texto foi traduzido de modo diferente em outra compilação:
“Vi que todos devem cantar com o espírito e com entendimento também. Deus não Se agrada de barulho e desarmonia.”[5]
Num mesmo texto, um tradutor entendeu “discord” como “dissonância”, outro, como “desarmonia”.
Outro texto utilizado contra a dissonância é:
“Foi-me mostrada a ordem, a perfeita ordem do Céu, e senti-me arrebatada ao escutar a música perfeita que ali há. Depois de sair da visão, o canto aqui me soou muito áspero e dissonante.”[6]
Novamente, a palavra mais específica hoje seria “dissonant”, mas ela não aparece no texto em inglês:
“After coming out of vision, the singing here has sounded very harsh and discordant.”
E em espanhol, em vez de “disonante”, utilizou-se a palavra “discordante”:
“Después de salir de la visión, el canto de aquí me ha parecido muy áspero y discordante.”
Devemos reconhecer que a palavra “discord” pode sim ser traduzida como “dissonância”. Mas verificando todas as vezes que Ellen White usa “discord” vinculada à música, percebe-se que ela a utiliza no sentido de “discórdia”, “divergência”, “desentoação”, “desafinação”, “desarmonia”[7]. Dificilmente essa palavra poderia ser entendida primariamente como uma referência técnica a intervalos musicais.
A presença das expressões “algaravia” e “barulho” na mesma sentença também indica que Ellen White não está usando “discord” como um termo técnico, em referência a acordes complexos e dissonantes em geral, mas a cânticos desafinados, cantados de modo incorreto, em desarmonia.
Para confirmar o sentido de “discord” na época, veja o que um contemporâneo de Ellen White escreveu numa Revista Adventista de 1860:
“It is very painful to see an enlightened person, with his foot upon God’s holy Sabbath, preaching holiness. It seems like jargon. It is like a discord in music. It pains the cultivated ear. And so with any other sin. He who lives in the practice of sin, in the breach of that holy law of God, is ill fitted to be an advocate of holiness. It is an inconsistency, a blot.”[8]
Repare que ele utilizou as mesmas palavras que Ellen White: “jargon” e “discord”.
Para ele, pregar sobre santidade e desprezar o sábado é como “discord” na música: é “doloroso ao ouvido refinado”, uma “incoerência”, um “defeito”.
Esse uso metafórico da expressão demonstra que “discord” refere-se a algo feio, que soa mal, desafinado.

2) O contexto em que “discord” aparece
Como o texto que temos está numa compilação, perdemos o contexto geral, que é bem interessante. Os dois textos usados para condenar a dissonância na verdade fazem parte de um mesmo contexto.
Ellen White começa o tópico afirmando o seguinte:
“Alguns pensam que é errado tentar observar a ordem no culto a Deus. Tenho visto que a confusão está desagradando a Deus, e que deve haver ordem no canto e ordem na oração.”[9]
A partir daí ela fala da necessidade de ordem na oração no culto público. E então fala da ordem no cântico, que deveria ser correto, sem “jargon” e “discord”. Finalmente, ela descreve a perfeita ordem do louvor celestial, diante da qual a nossa música soa “discordant”.
Então, o tema é ordem no culto, e o cântico que deve ser corrigido ali é primeiramente o congregacional.
Agora, vejamos o texto mais detidamente:
“Vi que todos devem cantar com o espírito e com o entendimento também. Deus não Se agrada de algaravia e dissonância [discord]. O correto é sempre mais agradável a Ele que o errado. E quanto mais perto o povo de Deus se puder aproximar do canto correto, harmonioso, tanto mais é Ele glorificado, a igreja beneficiada e os incrédulos favoravelmente impressionados.”[10]
Ellen White contrapõe “discord”, “algaravia”, e “errado” a expressões como “com entendimento”, “canto correto”, “harmonioso”. Assim, podemos entender que “discord” é sinônimo de “errado”, “algaravia”, “sem entendimento” e “sem harmonia”. Em suma, “dissonância” é cantar errado e sem harmonia.
Em vários outros textos Ellen White fala contra a música feita sem preparo, sem ensaio, de maneira errada. Para ela, todos deveriam tomar tempo para “cultivar a voz”[11]. Ela incentiva o preparo, e fala duramente contra cânticos desafinados e vozes não treinadas. Analisando outros textos de Ellen White sobre música, encontramos o conceito de “discord”, mesmo quando a palavra “discord” não aparece:
“Tenho ficado muitas vezes penalizada ao ouvir vozes não educadas, elevadas ao máximo diapasão, guinchando positivamente as palavras sagradas de algum hino de louvor. Quão impróprio essas vozes agudas, estridentes, para o solene e jubiloso culto de Deus! Desejo tapar os ouvidos, ou fugir do lugar, e regozijo-me ao findar o penoso exercício.”[12]
Aí está o espírito do “discord”: músicas tão horrorosas que dá vontade de fugir quando começam, e o “amém” ao final é de alívio! Ouvir o “discord” é um penoso exercício:
“O canto é feito em geral por impulso ou para atender a casos especiais, e outras vezes deixam-se os cantores ir errando, e a música perde o devido efeito no espírito dos presentes.”[13]
A beleza artística na execução de uma música é um ideal que requer preparo: “... que o louvor de Deus seja entoado (...) sem asperezas e estridências que ofendam ao ouvido” [14]
Mediocridade, falta de preparo e de conhecimento não se sustentam diante dos textos de Ellen White: “Não é suficiente ter noções elementares do canto, mas com o entendimento, com o conhecimento, deve-se ter tal ligação com o Céu que os anjos possam cantar por nosso intermédio.”[15]
Sem rodeios: Ellen White está falando de quem canta errado, mal, desafinado, de modo estridente, sem preparo. Esqueça todas aquelas palestras enfadonhas, livros e sermões técnicos que tentam enfiar acordes de 7ª, 9ª, 11ª e o Take 6 nesses textos de Ellen White. Eles estão falando de algo muito mais simples (e, infelizmente, muito comum): música feia, mal executada, harmonia errada e vozes desafinadas.
"Deve haver muito mais interesse na cultura da voz do que é agora em geral manifestado." "Aquele que nos outorgou todos os dons que nos habilitam a ser cooperadores de Deus, espera que Seus servos cultivem a voz, de modo a poderem falar e cantar de maneira que todos entendam."[16]

3) A dissonância pode ser correta, harmoniosa e bela.
O “discord” a que Ellen White se refere é o errado e não-harmonioso. E tecnicamente, um acorde dissonante não é necessariamente “errado”. Ao contrário, acordes dissonantes encaixam-se perfeitamente (de maneira correta) em muitas situações e podem enriquecer uma música.
Além disso, acordes dissonantes não são necessariamente “sem harmonia”, “algaravia”, ou sons sempre desagradáveis. Acordes dissonantes podem soar extremamente bem, mesmo aos ouvidos não treinados.[17]
É fácil perceber que mesmo acordes dissonantes não resolvidos (como C9, C7+, etc) podem soar bem, harmoniosamente sem provocar catarse, secreções sexuais, desmaios, depressão ou qualquer outra reação adversa extrema alardeada por algum palestrante mais radical.
Obviamente, podemos encontrar os mesmos acordes em músicas de má qualidade, tensas, ou em total desarmonia. No entanto, isso apenas mostra como a música é algo dinâmico, e que toda regra inflexível que alguém impuser à música cairá inflexivelmente na contradição.

4) Acordes dissonantes estão presentes em muitos hinos antigos amados por essa igreja.
Na realidade, existem mais dissonâncias no hinário do que você imagina. Quando ouço alguém falar mal das músicas contemporâneas porque usam dissonância e “dissonância é pecado”, fico me perguntando: “Será que essa pessoa já deu uma olhada no hinário”?
Se fosse verdade que Ellen White está condenando intervalos dissonantes, teríamos que rejeitar boa parte de nossos hinos. Alguns exemplos revelam quão grande seria a perda:
O hino “Lindo País” traz dissonância:
O tradicional “Não desistir” (HASD 150) traz dissonância:
Observe que o acorde dissonante Ab7/5- é “resolvido” logo no acorde seguinte (G).
O belíssimo “Além do rio” (HASD 499) também deveria ser rejeitado do começo...
... ao fim:
Alguém pode objetar: “Ellen White não está falando da dissonância em geral, pois isso seria absurdo. Ela está condenando apenas a dissonância não resolvida”. Essa inferência é possível e faz sentido.
No entanto, o texto de Ellen White não faz ressalva alguma. A declaração é apenas “Deus não se agrada de algaravia e dissonância”. Quem vê no texto uma referência a intervalos musicais, harmonias e acordes obrigatoriamente tem que fazer a inferência acima, a fim de não colocar uma declaração absurda na conta da Mensageira do Senhor.
Além disso, afirmar que “Ellen White condenou as dissonâncias não resolvidas” cria outro problema: muitos hinos amados por essa igreja teriam que ser descartados mesmo assim.
O hino “Monte do Calvário” (HASD 62), por exemplo, traz vários acordes dissonantes que duram um compasso inteiro e não são “resolvidos”.
Já no refrão, temos acordes dissonantes de passagem, preparando para o próximo acorde.
Outro hino que apresenta acordes dissonantes não-resolvidos é “Cristo, dá-nos tua paz” (HASD 496):
Repare que os acordes dissonantes são seguidos de acordes que não os “resolvem” necessariamente:
Imagine termos que proibir o hino “Deus, sabe, Deus ouve, Deus vê” (HASD 500) por causa de suas dissonâncias (resolvidas ou não):
Não é preciso ter um ouvido treinado, ser um expert em música para perceber que a sequência de acordes do refrão não provocam nada do que alguns histéricos sugerem (catarses, má digestão (!), angústia).
Experimente ouvir todos esses belos “hinos dissonantes” e veja se eles despertam em você as paixões animalescas, provocando ansiedade, depressão, agressividade e pensamentos suicidas.
É óbvio que declarações dogmáticas contra todos os intervalos e acordes dissonantes tornam-se ilógicas diante de exemplos como esses.

Conclusão
Resta-nos basicamente 3 opções ao ler que “Deus não se agrada de ‘discord’”:
1) Ellen White se refere a dissonância de maneira geral e formal, pois é isso que “está escrito”.
2) Ellen White se refere apenas à dissonância não-resolvida, o que seria uma inferência pois não “está escrito” dessa forma.
3) Ellen White não se refere tecnicamente a intervalos e acordes, mas à desarmonia, desafinação e desentoação, o que é confirmado pelo contexto.
Apresentei aqui algumas razões para escolhermos a opção 3).
É a opção que respeita a língua original, o contexto original, a lógica e o bom senso.

“Deus não se agrada de algaravia e dissonância” é mais aplicável a quartetos que não sustentam a afinação, solistas que semitonam e erram a melodia, corais desafinados e harmonias desencontradas.

E agora? O que faremos com aquelas músicas complexas, com acordes estranhos e melodia indefinida? Temos bons argumentos bíblicos e lógicos contra os excessos e a excentricidade na música para o louvor congregacional, não precisamos forçar Ellen White a dizer o que ela não disse nesses textos.
_____________________________
[1] O teste traz critérios vagos e subjetivos misturados a critérios discutíveis como esse da “confusão de vozes” e “dissonância”. Ele foi elaborado pelo professor Sikberto Marks e está disponibilizado em http://www.centrowhite.org.br/textos.pdf/10/Teste_da_Natureza_da_Musica_Segundo_os_Escritos_de_EGW.pdf . Gostaria de ver o próprio autor aplicando o teste a fim de entender alguns critérios.
[2] Outros vão além, dizendo que “a ‘harmonia dissonante’, que explora sem resolução os intervalos de 7a, 9a etc, como a arte moderna o faz, e como se faz nas músicas de boate, é estranha à música do Céu” (Dario Pires de Araújo, Música, adventismo e eternidade, p. 54 ).
[3] Para ouvir algo com exemplos de dissonância extrema, procure Mahler, Prokofiev, Bartok, ou (perdoem-me os fãs) alguma coisa do Take 6.
[4] Evangelismo, 508.
[5] Testemunhos Seletos, vol. 1, p. 45.
[6] Evangelismo, 505.
[7] Ellen White usa bastante a palavra “discord”. Na maioria das vezes o sentido é de “discórdia” e “divergência”. E esse sentido se mantém mesmo quando o tema é a música especificamente. Veja por exemplo: “Satanás havia dirigido o coral celestial. Sempre entoara a primeira nota, e então toda a multidão angélica se unira a ele, fazendo com que gloriosos acordes musicais ressoassem pelos Céus em honra a Deus e Seu querido Filho. Agora, porém, em lugar de doces acordes musicais, palavras de discórdia [discord] e ira caíam nos ouvidos do grande líder rebelde” (A verdade sobre os anjos, 46).
Também: “Mas um coração onde a paz de Cristo não está, é infeliz, cheio de descontentamento, a pessoa vê defeitos em tudo, e ela traria discórdia [discord] à música mais celestial” (Testimonies for the Church, Vol 5, p. 488).
[8] Joseph Clarke escrevendo à Advent Review, and Sabbath Herald, Vol. 16, 24 de Julho de 1860. A tradução é: “É muito doloroso ver uma pessoa iluminada, com o seu pé sobre o santo sábado de Deus, pregando a santidade. Parece barulho sem sentido. É como um “discord” na música. Dói o ouvido refinado. E assim com qualquer outro pecado. Aquele que vive na prática do pecado, na violação dessa santa lei de Deus, está mal equipado para ser um defensor da santidade. É uma incoerência, um defeito."
[9] Spiritual Gifts, vol 4b, p. 31.
[10] Evangelismo, 508.
[11] "Tomem todos tempo para cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros, suaves, sem asperezas e estridências que ofendam ao ouvido. A aptidão de cantar é dom de Deus; seja ele usado para Sua glória." Evangelismo, 505.
[12] Evangelismo, pág. 507 e 508.
[13] Testemunhos Seletos, vol. 1, p. 457.
[14] Evangelismo, 505.
[15] Mensagens Escolhidas, vol 3, 335.
[16] Evangelismo, 504 e 505.
[17] Basta dar “play” no CD Acapela dos Arautos do Rei, por exemplo, para ver como acordes dissonantes (com acréscimo de 4ª, 9ª, 5ª diminuta e aumentada, etc) são harmoniosos. Músicas como “Lugar de Paz”, “Calma, mansa, serena” soam muito bem apesar de trazerem várias dissonâncias.

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